terça-feira, 28 de junho de 2016

Crianças seguem exemplos, não discursos

Os meninos arrumaram filhos. A do Otto, uma boneca descabelada que alguma criança esqueceu aqui em casa. Do Tales, um urso de pelúcia de procedência também incerta. Carregaram pra cima e pra baixo os filhos o fim de semana todo. Hoje cedo fomos à feira e, evidente, quiseram levar as crias.
"Tudo bem, mas cada um carrega seu próprio filho, combinado?"
Mais que depressa o Tales arrumou um pedaço de pano e fez um sling. O Otto precisou de ajuda para copiar a ideia genial do irmão.
Na rua, eles foram a atração: meninos que brincam de boneca. Um grupo de pessoas passou e uma moça vibrou "aiii que lindos, olhem, eles estão carregando os nenês no sling, que fofura!". Outros olhavam com uma grande interrogação estampada no rosto. Nenhum impropério declarado, nenhum julgamento audível, mas muitos estranhamentos. O que, francamente, vivendo nesse mundo doente que a gente vive eu acho absolutamente normal.
Os meninos têm um pai presente, participativo, envolvido em todos os momentos da vida deles, muitas vezes até mais do que eu. Um cara que precisou quebrar uma pá de paradigmas para se tornar o pai que se tornou, o homem que se tornou. Não veio pronto. É um trabalho de desconstrução diário que ele QUER fazer, é um eterno abrir-mão de privilégios que ele teria somente por ter nascido nesse corpo. E ele ESCOLHEU o outro lado. Não sem dor, não sem muito debate. Mas por amor. Por vontade. E os frutos desse abrir-mão estão aí, filhos que entenderam que quem cuida de nenê é quem tem vontade de cuidar de nenê. Não tem a ver com gênero, tem a ver com amor. E aí eles saem de casa com filhos a tira colo e chocam a sociedade. Aquela sociedade que prega que só meninas brincam de boneca. Que meninas treinam pra serem boas mães. Onde, consequentemente, as mulheres carregam cargas pesadíssimas, solitárias e silenciosamente, quando vivem a maternidade ao lado de um cara que escolheu manter o status quo. Porque é uma escolha. Por mais prafrentex que eu fosse como mãe, se o cara que tá do meu lado não comprasse a briga comigo, fuéééém... Não haveria milagre. Porque crianças seguem exemplos, não discursos. E o mundo muda por meio do exemplo dessas pessoas, não do discurso delas.