quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

De volta a velha vida


E o ciclo se fechava ali, na manhã ensolarada da primeira quarta feira do ano de 2015: oficialmente eu deixava a função de mãe em tempo integral pra voltar a ser a mãe que trabalha fora. 

Fiquei um ano em casa. Um ano em que eu cresci uns 10. Um ano que valeu mais do que boa parte do que eu já vivi durante toda a minha vida adulta. Um ano em que eu precisei tomar decisões que me levaram a viver coisas que eu jamais teria vivido por pura inércia. Sabe aquela história do "não se acostume com o que não te faz feliz"? A gente se acostuma, sim. E bem fácil. E por preguiça. E só vê que a mudança foi o melhor que poderia acontecer depois que passa o desespero inicial.

Foi nesse ano que tiramos o Tales da escola. Na época, a atitude foi considerada uma loucura por 10 em cada 10 pessoas em sã consciência. Afinal, eu tinha um bebê recém nascido em casa e, sabe né, dá trabalho. Nós tomamos a decisão sem certeza de nada, foi uma atitude baseada em amor, nada mais. E foi lindo, do começo ao fim. Se é que já teve um fim. Tê-lo com a gente em tempo integral, acordar junto, fazer todas as refeições juntos, passar a tarde brincando, conhecer os seus amigos imaginários, estar disponível pra ser o colo que ele busca quando algo não sai como o imaginado, isso foi o exercício de maternidade mais pleno que eu poderia ter. Tê-lo deixado na escola teria sido mais cômodo, mas bem menos vivo. Ele não estava feliz, tampouco eu. Só que a gente se acostumaria, não tenho dúvidas disso. A resiliência é uma qualidade humana um tanto ingrata. Faz você se acostumar e se adaptar ao que não te faz bem. Há algum tempo alguém me falou que bom mesmo é o filho que traz problemas, porque tira a gente da inércia. Hoje eu concordo em absoluto. E sou muito grata ao Tales por me fazer enxergar mais isso.

Por ter o Tales fora da escola, passei o ano em busca de lugares onde ele pudesse interagir com crianças, mas onde eu também fosse bem vinda. Não queria largar ele e ir embora. Queria ficar observando como ele se saía, já que ele vinha de um período difícil de insegurança. Eu queria algo que eu nem sabia se existia. E os dias foram passando, a vida tomando um rumo tal que quando eu me dei conta nós estávamos passando quase todas as tardes na Casa Labirinto. Um lugarzinho fofo, com uma atmosfera leve, um clima de sexta feira a tarde e cheiro de casa de vó que nos acolheu e nos ganhou pra sempre. A ideia da casa é ser um lugar lúdico em que a criança se sinta livre para ser somente criança. Sem preocupação com o pedagógico, com a alfabetização, com o currículo, com a grade horária. Nada mais do que brincar. Tipo um recreio em tempo integral. Pronto, era isso que eu procurava! Lá eu conheci pessoas que tornaram a minha jornada, sempre tão exaustiva, mais leve. Conheci pessoas com um estilo de vida que eu quero pra mim. Gente que anda por um caminho tão de luz que só irradia coisas boas por onde passa. Gente que, muitas vezes sem saber, salvava meus dias. Me fazia ter certeza de que era por aí o caminho, e que eu não estava sozinha nessa busca. Gostamos tanto que o plano agora é levar o Tales e o Otto para passar algumas tardes lá enquanto eu trabalho. Foi a melhor alternativa que conseguimos para fugir da escolarização.

Como esse foi um ano em que eu me dediquei completamente aos meninos, claro que teria que faltar de algum lado. A rotina é cruel quando se tem dois filhos pequenos e se passa o dia todo na função. Nesse ano meu casamento foi se modificando de tal forma que se alguém conseguisse prever o futuro e me contasse que ia ter um final feliz eu faria uma cara de interrogação, totalmente desacreditada. É uma conquista diária manter a paz no relacionamento a dois quando o caos de uma casa com duas crianças toma o lugar do romantismo. Mas, aos poucos, não sem muita conversa, não sem muita lágrima, a gente vai encontrando um amigo onde antes havia um amante. Vai encontrando um amor maduro no lugar de uma paixão louca. Vê que o amor se manifesta em pequenos gestos. Que o casamento é baseado em pequenas trocas. E vai vendo que o que vale mesmo é isso, o dia a dia, o companheirismo, a parceria. 

E com a chegada do fim de ano o fantasma da volta ao trabalho começava a me assombrar. Nesse ano todo eu não passei um dia sequer sem tentar encontrar uma forma de não precisar mais terceirizar uma parte da criação dos meus filhos. Fui e voltei milhares de vezes de idéias furadas, que nunca saíram dos planos. E, bom, como você deve estar percebendo, não encontrei solução, voltei a trabalhar e optamos pela via menos impactante pra eles. Escola era a nossa última opção. Eu sinto que errei com o Tales ao escolarizá-lo tão cedo e seria um absurdo repetir isso com o Otto. Optamos por, num primeiro momento, deixá-los em casa com uma babá. A ruptura me parecia menos abrupta já que eles continuarão em ambiente familiar. O pai trabalha em casa e está disponível quando a saudade bate. A rotina segue a mesma de quando eu estava presente, a alimentação, a soneca no meio da tarde sem hora pra acabar, o cheiro de casa, o aconchego. Então agora passam algumas tardes em casa e outras na Casa Labirinto. E com a consciência de que tudo é tentativa e erro. Se não funcionar, mudamos tudo outra vez.  

Aí chegou o primeiro dia de volta à velha vida. E foi tudo de uma leveza, de uma naturalidade, que me fez sentir uma certa vergonha da auto importância que eu me dava. É engraçado como a gente se prende a papéis (eu, no caso, o papel de mãe insubstituível) e, especialmente quando se gosta muito do papel que "representa", a gente se agarra naquilo como se isso fosse quem realmente somos. E a gente luta com toda força, tenta se convencer a todo custo que estamos ali tão somente porque se saírmos, a casa cai. Só que não cai. E a sensação de ver que não cai é ainda melhor do que aquela falsa ilusão de que carregamos o mundo nas costas. É libertador. 

Hoje faz duas semanas que estou passando as tardes longe deles. Ainda não me encontrei totalmente no ambiente de trabalho. Talvez porque eu sou uma pessoa bem diferente da que saiu. Um ano vendo a vida de outro ângulo muda muitos paradigmas. Mas como trabalho com pessoas maravilhosas, cada uma a sua maneira, e temos um ambiente bom, não é nenhum sofrimento passar o dia lá, pelo contrário.

E, aos poucos, tudo vai começar a fazer sentido novamente.

2 comentários:

  1. Parabéns Vanessa! Vc além de escrever muito bem, consegue passar o sentimento pelo qual está vivendo. Te admiro pela maneira de criar seus filhos, de lidar com esse turbilhão de emoções!

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  2. Com os olhos marejados desse outro lado da tela lhe digo com toda a razão, você é uma puta mãe.

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