segunda-feira, 14 de abril de 2014

Quando nasce um irmão, nasce o ciúme...

Aí o Julio chega em casa e diz:

“Vanessa, precisamos conversar. Em alguns dias vou trazer para casa uma outra mulher, uma mulher muito bacana, vocês poderão ser muito amigas. Você precisará entender e ser madura o suficiente para me ajudar com a adaptação dela, afinal o começo será difícil para todos nós. Para que ela se sinta protegida, nos primeiros meses ela é quem vai dormir comigo, mas não se preocupe, você vai ganhar um quarto lindo só pra você! Vou pegar uma licença no trabalho para poder ficar com ela em tempo integral mas seria bom que você continuasse indo todos os dias trabalhar, porque eu não conseguiria dar atenção a vocês duas juntas. Eu disse a ela que não trouxesse muitas roupas, que você emprestaria as suas, aquelas que você não usa mais, sabe? Ah, o pessoal está louco para conhecê-la, logo que ela chegar iremos receber muitas visitas e provavelmente trarão presentes pra ela. Espero que você não sinta ciúmes, afinal eu amo vocês duas igualzinho.”

E aí?

Claro que essa historinha não é real, eu li algo parecido com isso em um livro de um pediatra espanhol e achei perfeito pra me colocar no lugar do Tales e entender o que se passa na cabeça de uma criança que ganha um irmão, guardadas as devidas proporções.

O Tales e eu sempre tivemos uma conexão emocional muito grande, o senso comum definiria como “são muito grudados”. Ele mamou no peito até pouco mais de 2 anos, e isso ajudou bastante na criação de um vínculo emocional bem forte. Eu sentia que eu era o porto seguro dele. Só eu. Segurança em forma de leite. Aí ele foi desmamando, foi crescendo, o vínculo foi mudando. Não ficou mais fraco, mas ficou diferente. A sensação era de que ele agora confiava também em outras pessoas, não mais só em mim. Se saciava em outras fontes. Não éramos mais uma só emoção para dois corpos. E isso pra mim nunca foi algo ruim, confesso que me senti até aliviada quando percebi o que estava acontecendo: meu bebê estava crescendo. Eu não era mais insubstituível. Um grande alívio para uma pessoa que, depois que se tornou mãe, desenvolveu um medo absurdo da morte. Medo de faltar para alguém com quem eu tinha um vínculo vital.

Esse vínculo eu poderia definir como sendo um pequeno fio, em que eu segurava em uma ponta e ele na outra. Ele até poderia ir longe de mim, mas sempre segurando a ponta do fiozinho. Sempre sabendo pra onde voltar. Até o dia em que ele se sentiu seguro para ir até onde o fio não alcançava e então precisou largar. E foi. E encontrou coisas muito bacanas por lá, pessoas boas, um mundo novo. Mas pouco tempo depois de ter largado o fio, percebeu que alguém agora estava segurando no lugar que era seu. E se ele precisasse voltar? E se tivesse errado ao largar? E se algo acontecesse de ruim, pra onde ele correria?

O que ele ainda não sabe, e é nossa obrigação como pais ensinar, é que esse fiozinho imaginário só tem função enquanto a gente ainda não conhece o caminho de volta. Depois de um tempo, mesmo sem esse referencial, já fomos e voltamos tantas vezes que conhecemos o caminho e sabemos que nosso lugar estará sempre lá. Podemos deixar que outra pessoa menos experiente segure na ponta do fio, pois já não precisamos mais dele.



Aqui em casa tivemos um início bem tranquilo, chegamos até a comemorar timidamente o fato de o Tales não estar enciumado com a chegada do irmão. O que seria totalmente antinatural, eu sei, já que ele tem apenas 2 anos. As primeiras duas semanas foram bem atípicas, ele estava encantado. Mas passado o período de euforia, imagino que ele pensou: “Deu né, neném? Acabou a graça, pode ir embora agora!”. E não, ele não foi embora. E o ciúme bateu forte.

Aos poucos estamos encontrando formas de mostrar a ele que nada mudou, que o Otto veio para somar e não dividir. Mas que o ciúme é um sentimento legitimo e que estamos aqui para acolhê-lo e ajudá-lo nessa fase difícil.

sexta-feira, 11 de abril de 2014

E que a minha loucura seja perdoada...

Uma farsa. Era isso que eu me sentia, uma mentira. Eu nunca acreditei que escola é o lugar ideal para uma criança pequena. Rotina rígida, horário fixo, obrigação de ir todos os dias para o mesmo lugar, não era o que o meu filho precisava nessa idade. Essa era uma obrigação social minha, que eu assumi por livre vontade quando resolvi trabalhar fora. Ele não. Ele não escolheu isso, nem precisava disso, era algo que eu impus a ele por falta de opção. Isso sempre esteve muito claro pra mim, já até falei sobre isso aqui.

Aí eu engravidei do Otto. Aí o Otto nasceu e cá estou eu, em casa o dia todo, de licença maternidade. E a farsa começou.

Eu sempre quis ficar em casa cuidando dos meus filhos em tempo integral, nunca escondi de ninguém esse meu desejo. Trabalho fora por dinheiro, se me pagassem o que eu ganho pra ser só mãe eu topava fácil. Mas agora eu estava em casa e continuava levando o Tales pra escola. Contra tudo o que eu acredito e, pior, contra a vontade dele. Faça o que eu digo, não faça o que eu faço. Eu era uma fraude.

E não estava fácil levar adiante. Todos os dias, desde a hora de colocar o uniforme era choro. Era choro e pedido para não ir pra escola. Era choro pra entrar no carro, era choro pra sair do carro, era choro pra entrar na escola. Era eu chorando em casa sozinha o resto do dia. Era eu tentando me acostumar com o que me matava por dentro. Eu sabia que precisava fazer alguma coisa.

Os conselhos chegavam de todos os lados:

“Não ceda, ele está te manipulando”
“Toda criança chora, é normal, logo ele acostuma”
“Ele tá com ciúmes do irmãozinho, o meu também passou por isso, nem ligue”
“Criança não tem querer, escola é obrigação”

Eu tenho péssimas lembranças de escola na minha primeira infância. Não lembranças de fatos em si, mas de sentimentos. Angústia. Solidão. Só de pronunciar o nome da escola que eu frequentava quando era bem pequena me dá um nó no estômago. Já da escola que eu fui quando era um pouco maior (uns 4 anos) eu tenho ótimas lembranças.

Na ânsia de achar “culpados” fui atrás de outra escola, tentando me convencer que o problema era aquela escola. Quem eu queria enganar? Conheci uma escola linda, com uma pedagogia diferenciada (waldorf), mais leve, aconchegante, com cara de casa de vó, fiquei super animada. Passamos algumas semanas analisando, tentando tomar uma decisão em meio a muito choro. O Julio foi contra mudar de escola. Voltamos à estaca zero.

Um dia o Tales falou uma frase que me fez ver que aquele embrulho no estômago que eu ficava depois de levá-lo chorando pra escola era o melhor indicador de que eu estava errando, e errando muito. Eu estava trocando a fralda do Otto, que chorava. O Tales chegou perto dele e disse:

“Pare de chorar, neném... senão você vai pra escolinha, heim?”

Aquilo foi o tapa na cara que eu merecia. O que eu estava fazendo? Pro Tales, escola era punição.

Marcamos uma reunião com a pedagoga da escola. Fui com 5 pedras na mão, esperava ouvir conselhos no mesmo estilo dos que eu já vinha ouvindo dos outros. A conversa começou com faíscas, com frases no estilo “crianças são espertas, elas te manipulam”. Taquei minhas primeiras pedradas. Aos poucos a conversa foi tomando outro rumo, menos institucional e mais humana. Menos cérebro e mais coração. Menos pedagógica e mais materna. Fomos acolhidos, apoiados, compreendidos. Saímos de lá com o apoio que precisávamos para tirar o Tales da escola com a tranquilidade de que ele poderá voltar no ano que vem, se quisermos.

E assim está nossa vida agora, de cabeça pra baixo com 2 crianças em casa. Como vai ser daqui pra frente? Não sabemos muito bem. Mas sabe aquele embrulho no estômago? Sumiu.