sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Carta ao meu antigo obstetra.

Falar sobre parto, hoje em dia, é algo muito polêmico. Se você opta por um parto natural, então, dificilmente vai poder sair por aí falando isso abertamente. Essa semana me surpreendi positivamente quando uma pessoa que não tenho muito convívio, mas a qual eu admiro bastante por suas opiniões claras, me perguntou sobre como havia sido o parto do Tales e como seria o meu próximo parto. Eu contei da minha experiência e do que eu busco agora. Ao contrário do que muitas vezes acontece, não fui julgada, não fui chamada de louca, fui ouvida e acolhida.

Ao dividir com ela o meu descontentamento com relação à cesárea que eu sofri, ela me surpreendeu contando também as suas experiências: 2 cesáreas indesejadas e desnecessárias. Aquilo me tocou tanto que só de lembrar me enchem os olhos de lágrimas. Já se passavam mais de 20 anos e ela ainda se emocionava ao dizer que gostaria que tivesse sido diferente, que sente muito por ter sido enganada pela médica, que roubou dela um momento tão precioso, pelo qual ela jamais irá passar novamente. Nós sentimos a mesma dor, em corpos diferentes.

Esse episódio me fez pensar muito. Não quero sentir o que sinto pra sempre, preciso fechar este ciclo. Com isso, tive a ideia de escrever para aquele que foi o protagonista do nascimento do meu filho: meu antigo obstetra. E foi ótimo, lavou minha alma. Com lágrimas.



Doutor,

Sei que o senhor não faz idéia de quem eu sou, então eu faço questão de te lembrar. Sou sua paciente desde a minha adolescência, quando fui levada ao seu consultório pela minha mãe, também sua paciente. Minha mãe, uma mulher que pariu naturalmente 3 dos 4 filhos com a ajuda do senhor, e num destes partos naturais eu vim ao mundo. Por suas mãos.

Nunca havia me consultado com outro médico, então quando resolvi que era hora de ter um bebê não tive a menor dúvida: seria o senhor o meu obstetra. Um dia cheguei ao seu consultório com um exame de gravidez positivo, milhares de dúvidas e muitos medos, mas pra mim o senhor era um porto seguro.

Nas consultas o senhor era sempre muito atencioso, me deixava muito a vontade. Quando eu expressava minhas dúvidas com relação ao parto, você fazia questão de me assegurar que o parto normal era o melhor para mim e para o bebê. Mesmo quando eu demonstrava medo, você me acolhia, me tranquilizava, me incentivava. Afirmava com orgulho que não fazia cesárea eletiva, que se uma paciente chegasse até o senhor com o pedido de agendar uma cesárea, você se negaria e indicaria um colega. Quanto orgulho eu sentia do obstetra consciente que eu tinha escolhido. 

Numa noite de domingo o senhor foi incomodado por uma ligação minha: eu estava com dores e contrações. Eu sentia que algo não estava certo, fui pra maternidade e assim que lá te encontrei fiquei tranquila, agora eu estava segura. Você me fez acreditar que eu estava em trabalho de parto prematuro, mas que conseguiria inibir e segurar meu bebê por mais algumas semanas. Recebi alta em 2 dias e o senhor me indicou repouso absoluto, até o dia da próxima consulta.

Com 37 semanas e 1 dia de gestação, às 2 da tarde, eu estava em seu consultório para o que seria a última consulta do meu pré natal. Você cumpriu todos os protocolos que eu já conhecia, me pesou, mediu minha pressão, fez o toque, tudo ótimo. Ao ouvir o coraçãozinho do bebê, o senhor fez uma cara atípica e me disse algo que jamais sairá da minha memória: “seu bebê está em sofrimento”. Eu não entendia, eu não estava sentindo nada, como poderia meu bebê estar correndo risco sem meu corpo me avisar? Mas eu confiava no meu obstetra e o melhor a fazer era seguir as suas instruções. Eu ia ganhar meu bebê naquele dia. Perguntei como seria o parto, se seria possível ter parto normal e o senhor me garantiu que sim, que estava tudo sob controle e que não era pra eu me preocupar com isso.

E assim, fiz tudo exatamente como o senhor me instruiu: fui pra casa, arrumei minhas malas e fui pra maternidade.  Lembro que antes de sair do seu consultório, o senhor me pediu pra não esquecer de levar meu talão de cheques, para pagar os honorários da instrumentadora cirúrgica. Como pude não perceber que o seu plano era me operar depois de um pedido desses? Eu ainda não havia entendido que passaria por uma cirurgia, precisei chegar na triagem do hospital para que a enfermeira que me atendeu me desse a notícia: “sua cirurgia está marcada para que horas, Vanessa?” Oi? Cirurgia? Não, eu vou tentar parto normal. Ela me olhou com cara de espanto e falou que meu encaminhamento era para uma cesárea, mas que te ligaria para que o senhor me esclarecesse. Conversamos pelo telefone e você me deixou muito angustiada quando disse que poderíamos até esperar por um parto normal, mas que corríamos o risco de o bebê sofrer muito. O senhor acha que alguma mãe no mundo esperaria?

E o final dessa história você já conhece, é igual para todas as suas pacientes. O senhor me operou mesmo sabendo que eu não precisava daquela cirurgia, meu filho foi apenas mais um que veio ao mundo com a ajuda do seu bisturi. Ele nasceu bem, teve ótimas notas de apgar, sugou meu peito perfeitamente depois que me recuperei da anestesia. Mas nós dois sabemos que ele não estava sofrendo e poderia ter ficado mais algum tempo dentro de mim, até chegar a hora que ele escolhesse para nascer, quando estivesse seguramente pronto. Felizmente, tudo o que poderia dar errado, não deu. E apesar de tudo, esse foi e sempre será o dia mais feliz da minha vida.

Então o senhor deve estar se perguntando agora: o que quer essa mulher afinal? E eu te respondo: quero te perdoar. Preciso fechar este ciclo. Estou grávida novamente e desta vez estou fazendo tudo diferente. Meu objetivo é parir meu segundo filho naturalmente e pra isso me informei e busquei ajuda de um obstetra humanizado, que me ajudou a abrir os olhos para a violência que eu sofri ao passar por uma cirurgia desnecessária. Caso algum problema aconteça, vou aceitar de coração aberto outra cesárea. O que eu não aceito é ser novamente enganada. Não guardo mais rancor do senhor, juro. Sei que a realidade do mercado obstétrico brasileiro é ingrata, que o senhor não é o único culpado, que é um problema multifatorial. Tem muita gente lucrando e isso não vai mudar tão cedo. Mas saiba: da minha parte, sinta-se perdoado.

Vanessa


Nota: É evidente que eu não mandei a carta para ele. Foi somente uma forma que eu encontrei de expressar o meu perdão, algo que é importante somente pra mim. Pra ele, eu sou só mais uma.