sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Carta ao meu antigo obstetra.

Falar sobre parto, hoje em dia, é algo muito polêmico. Se você opta por um parto natural, então, dificilmente vai poder sair por aí falando isso abertamente. Essa semana me surpreendi positivamente quando uma pessoa que não tenho muito convívio, mas a qual eu admiro bastante por suas opiniões claras, me perguntou sobre como havia sido o parto do Tales e como seria o meu próximo parto. Eu contei da minha experiência e do que eu busco agora. Ao contrário do que muitas vezes acontece, não fui julgada, não fui chamada de louca, fui ouvida e acolhida.

Ao dividir com ela o meu descontentamento com relação à cesárea que eu sofri, ela me surpreendeu contando também as suas experiências: 2 cesáreas indesejadas e desnecessárias. Aquilo me tocou tanto que só de lembrar me enchem os olhos de lágrimas. Já se passavam mais de 20 anos e ela ainda se emocionava ao dizer que gostaria que tivesse sido diferente, que sente muito por ter sido enganada pela médica, que roubou dela um momento tão precioso, pelo qual ela jamais irá passar novamente. Nós sentimos a mesma dor, em corpos diferentes.

Esse episódio me fez pensar muito. Não quero sentir o que sinto pra sempre, preciso fechar este ciclo. Com isso, tive a ideia de escrever para aquele que foi o protagonista do nascimento do meu filho: meu antigo obstetra. E foi ótimo, lavou minha alma. Com lágrimas.



Doutor,

Sei que o senhor não faz idéia de quem eu sou, então eu faço questão de te lembrar. Sou sua paciente desde a minha adolescência, quando fui levada ao seu consultório pela minha mãe, também sua paciente. Minha mãe, uma mulher que pariu naturalmente 3 dos 4 filhos com a ajuda do senhor, e num destes partos naturais eu vim ao mundo. Por suas mãos.

Nunca havia me consultado com outro médico, então quando resolvi que era hora de ter um bebê não tive a menor dúvida: seria o senhor o meu obstetra. Um dia cheguei ao seu consultório com um exame de gravidez positivo, milhares de dúvidas e muitos medos, mas pra mim o senhor era um porto seguro.

Nas consultas o senhor era sempre muito atencioso, me deixava muito a vontade. Quando eu expressava minhas dúvidas com relação ao parto, você fazia questão de me assegurar que o parto normal era o melhor para mim e para o bebê. Mesmo quando eu demonstrava medo, você me acolhia, me tranquilizava, me incentivava. Afirmava com orgulho que não fazia cesárea eletiva, que se uma paciente chegasse até o senhor com o pedido de agendar uma cesárea, você se negaria e indicaria um colega. Quanto orgulho eu sentia do obstetra consciente que eu tinha escolhido. 

Numa noite de domingo o senhor foi incomodado por uma ligação minha: eu estava com dores e contrações. Eu sentia que algo não estava certo, fui pra maternidade e assim que lá te encontrei fiquei tranquila, agora eu estava segura. Você me fez acreditar que eu estava em trabalho de parto prematuro, mas que conseguiria inibir e segurar meu bebê por mais algumas semanas. Recebi alta em 2 dias e o senhor me indicou repouso absoluto, até o dia da próxima consulta.

Com 37 semanas e 1 dia de gestação, às 2 da tarde, eu estava em seu consultório para o que seria a última consulta do meu pré natal. Você cumpriu todos os protocolos que eu já conhecia, me pesou, mediu minha pressão, fez o toque, tudo ótimo. Ao ouvir o coraçãozinho do bebê, o senhor fez uma cara atípica e me disse algo que jamais sairá da minha memória: “seu bebê está em sofrimento”. Eu não entendia, eu não estava sentindo nada, como poderia meu bebê estar correndo risco sem meu corpo me avisar? Mas eu confiava no meu obstetra e o melhor a fazer era seguir as suas instruções. Eu ia ganhar meu bebê naquele dia. Perguntei como seria o parto, se seria possível ter parto normal e o senhor me garantiu que sim, que estava tudo sob controle e que não era pra eu me preocupar com isso.

E assim, fiz tudo exatamente como o senhor me instruiu: fui pra casa, arrumei minhas malas e fui pra maternidade.  Lembro que antes de sair do seu consultório, o senhor me pediu pra não esquecer de levar meu talão de cheques, para pagar os honorários da instrumentadora cirúrgica. Como pude não perceber que o seu plano era me operar depois de um pedido desses? Eu ainda não havia entendido que passaria por uma cirurgia, precisei chegar na triagem do hospital para que a enfermeira que me atendeu me desse a notícia: “sua cirurgia está marcada para que horas, Vanessa?” Oi? Cirurgia? Não, eu vou tentar parto normal. Ela me olhou com cara de espanto e falou que meu encaminhamento era para uma cesárea, mas que te ligaria para que o senhor me esclarecesse. Conversamos pelo telefone e você me deixou muito angustiada quando disse que poderíamos até esperar por um parto normal, mas que corríamos o risco de o bebê sofrer muito. O senhor acha que alguma mãe no mundo esperaria?

E o final dessa história você já conhece, é igual para todas as suas pacientes. O senhor me operou mesmo sabendo que eu não precisava daquela cirurgia, meu filho foi apenas mais um que veio ao mundo com a ajuda do seu bisturi. Ele nasceu bem, teve ótimas notas de apgar, sugou meu peito perfeitamente depois que me recuperei da anestesia. Mas nós dois sabemos que ele não estava sofrendo e poderia ter ficado mais algum tempo dentro de mim, até chegar a hora que ele escolhesse para nascer, quando estivesse seguramente pronto. Felizmente, tudo o que poderia dar errado, não deu. E apesar de tudo, esse foi e sempre será o dia mais feliz da minha vida.

Então o senhor deve estar se perguntando agora: o que quer essa mulher afinal? E eu te respondo: quero te perdoar. Preciso fechar este ciclo. Estou grávida novamente e desta vez estou fazendo tudo diferente. Meu objetivo é parir meu segundo filho naturalmente e pra isso me informei e busquei ajuda de um obstetra humanizado, que me ajudou a abrir os olhos para a violência que eu sofri ao passar por uma cirurgia desnecessária. Caso algum problema aconteça, vou aceitar de coração aberto outra cesárea. O que eu não aceito é ser novamente enganada. Não guardo mais rancor do senhor, juro. Sei que a realidade do mercado obstétrico brasileiro é ingrata, que o senhor não é o único culpado, que é um problema multifatorial. Tem muita gente lucrando e isso não vai mudar tão cedo. Mas saiba: da minha parte, sinta-se perdoado.

Vanessa


Nota: É evidente que eu não mandei a carta para ele. Foi somente uma forma que eu encontrei de expressar o meu perdão, algo que é importante somente pra mim. Pra ele, eu sou só mais uma.

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Por que diabos eu troco um boteco por um parquinho?

Eu sou daquele tipinho que se faz de surda quando o assunto é o chopp depois do expediente. Daquele tipinho que foge dos programas que a maioria das pessoas definiria como “happy hour”. Talvez muitos nunca tenham entendido o porquê.

Talvez só entendam meus motivos quando tiverem alguém que os espera ansiosamente e que quando o vê lá de longe sai correndo e gritando“mamãããããããee, você veio!”. É o auge do meu dia. Entra no carro e desanda a contar como foi sua tarde, o que comeu no lanche, qual musiquinha cantou, qual coleguinha faltou e do que quer brincar quando chegar em casa. Essa é a única definição de happy hour nesse momento da minha vida.

Eu acredito que com o tempo eu vou voltar a ter uma vida social mais parecida com a da maioria das pessoas que eu conheço, mas ainda não é a minha hora. Não estou abandonando os amigos, mas nesse momento tenho um novo melhor amigo e estar com ele virou meu único programa preferido. Os amigos são bem vindos onde ele puder estar junto, quando der pra conciliar, mas ele ainda é a minha prioridade absoluta. Não me convide, se for um convite só pra mim no meu horário de estar com ele, se não quiser ouvir um “não”.

Ter filhos, pra mim, não é um fardo que eu gostaria de me livrar sempre que possível. Não é nenhum sacrifício, é uma questão de prioridades. Por isso, por favor, não fique com pena de mim quando eu disser que não tenho com quem deixá-lo. Talvez eu só não queira deixá-lo. 

domingo, 27 de outubro de 2013

Maternidade x carreira

O Tales foi um bebê muito planejado. Engravidei quando quis, porque quis, foi uma escolha muito consciente fruto de uma vontade que sempre existiu em mim, e que foi amadurecendo e se tornando real depois que conheci o Julio. Eu sempre achei super natural, antes de me tornar mãe, que bebês fossem pra escolinha muito cedo. Todo mundo faz, deve ser fácil, deve ser o certo. Tolinha.

Desde que comecei a planejar a gestação eu sabia que tiraria minha licença maternidade de seis meses e junto tiraria duas férias acumuladas propositalmente para esse fim, o que me renderiam 8 meses em casa. Bem suficiente, não? Não.

Até hoje, um ano e meio depois que voltei a trabalhar, sofro de uma dor silenciosa e diária quando ele vem se despedir para ir pra escola. Pra mim, isso não é o natural, e não tente me convencer do contrário. Discursinhos do tipo: “Ah, porque criança que vai pra escola é mais independente, é mais esperta, é mais isso e mais aquilo” me dão vontade de vomitar. Não acho que uma criança pequena precise se desenvolver pedagogicamente. Criança pequena tem que brincar em tempo integral, sem regras, sem cobranças, sem horários, aprontar, comer terra, cair, se sujar. Tem que ficar grudado na mãe se sentir que precisa, mamar em verdadeira livre demanda, se sentir seguro por saber que a mãe estará lá sem prazo pra ir embora. Isso deve dar uma segurança incomparável. Eu considero isso como sendo o ideal, deveria ser a regra pelo menos nos 2 primeiros anos de vida, e não a exceção. Não consigo achar que meu filho estará melhor se precisar cumprir horários pré definidos, sendo cuidado por uma pessoa que não o conhece, que cuida simultaneamente de várias outras crianças, e que mesmo que o faça com carinho, não tem conexão emocional alguma com ele. Se você acha que alguém assim cuidaria tão bem quanto você, sorte sua, aposto que você sofre bem menos do que eu.

Eu tenho um bom emprego, tenho estabilidade, ganho bem mais do que algum dia imaginei que ganharia, trabalho com pessoas com quem tenho muito prazer em conviver, tenho uma carga horária menor do que a maioria das pessoas que trabalham na iniciativa privada. Fazer carreira não é meu objetivo, não tenho problema em admitir que pretendo continuar batendo cartão naquela mesma repartição até o final dos meus dias úteis. Desde que comecei a trabalhar onde trabalho, a síndrome do domingo a noite simplesmente não me persegue mais. Eu estou exatamente onde eu queria estar. E é aí que entra o meu eterno dilema pessoal. Eu sou feliz trabalhando onde trabalho, muito provavelmente eu jamais conseguiria (sem anos de dedicação que eu não quero ter) algo parecido se abandonasse esse cargo. Me faz bem sair todos os dias e encontrar quem eu encontro, fazer o que eu faço, ter paz de espírito, a qual eu devo boa parte à tranqüilidade que eu sinto por ter o emprego que tenho.

Acontece que, pelo menos uma vez por mês, me volta a sensação de que está tudo errado, de que eu fiz a escolha errada, que meu lugar era em casa com o meu filho. Eu sei que nasci pra isso, pra maternar em tempo integral. Nada no mundo me realizou mais do que ser mãe. Mas eu precisei fazer uma escolha, que eu considero que tenha sido muito consciente, mas foi uma escolha. E saber que é uma escolha, por um lado, me conforta: faz com que eu sinta que está comigo o poder de mudar meu destino quando eu quiser. O mercado é cruel? O mundo é capitalista? A sociedade vai me julgar? Sim, mas no final quem decide sou eu! Eu poderia largar tudo, dar um tchauzinho pro pessoal da repartição e ficar em casa. Ninguém aqui morreria de fome. Teríamos um padrão de vida bem baixo, evidente, mas daria pra viver. Eu acho, no mínimo, hipocrisia negar que isso é uma opção. Dói, mas eu prefiro assumir que, mesmo não tendo certeza de que estou fazendo a coisa certa, eu escolhi trabalhar fora. E já que eu escolhi, não faz sentido algum ficar me queixando, mesmo que eu sofra às vezes. Não é o que eu considero ideal, mas é o que eu quero fazer.

Eu solidarizo com as pessoas que deixam de lado por alguns anos seus planos profissionais para ficar com os filhos. Eu também os invejo, confesso. Assumir que os filhos são seu projeto de vida mais importante é algo admirável. A mim só resta torcer para nunca me arrepender da escolha que fiz. Até aqui o saldo é bastante positivo e enquanto eu estiver sentindo que estamos felizes vamos levando dessa maneira.

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Porque não compartilhar uma cama, quando se compartilha uma vida?

Eu torço para que você não passe por essa vida sem se permitir sentir um dos maiores prazeres que a maternidade pode proporcionar: ver um filho se aconchegar no calor dos seus braços e se render ao sono na segurança do seu colo. Se sentir o porto seguro de alguém completamente entregue, que só precisa que você esteja ali, de corpo e alma. Acordar no meio da noite, olhar para o lado e sentir o cheirinho inigualável que o seu bebê exala enquanto dorme, admirar sua respiração, suas feições enquanto sonha. Há quem deixe momentos como esse passar sem se dar conta de que perdeu algo. 


Compartilhar a cama dos pais com o bebê é mais uma coisa que fomos levados a considerar errado. E caímos feito patinhos. Se fizermos uma rápida avaliação de como a espécie humana chegou até os dias atuais, facilmente vamos concluir que não foi dormindo longe dos seus filhotes. Essa coisa de deixar chorar no berço pra aprender a dormir eh coisa de poucos anos, se comparado ao tempo em que os humanos habitam esse planeta. Se os homens das cavernas fizessem isso, o choro do bebê atrairia predadores e eles fatalmente morreriam. E quanto a dormir em quartos separados então, existiam quartos nas cavernas? A mãe carregava a cria junto ao seu corpo durante muito tempo, era uma questão de sobrevivência. Milhares de anos se passaram, somente os bebês que permaneciam em contato corporal constante com a mãe sobreviveram. Aí o homem saiu das cavernas, foi morar em casas providencialmente divididas em cômodos e, já que agora estamos em segurança, os bebês podem dormir sozinhos em seu próprio quarto. E aquele serzinho primitivo, com genes naturalmente bem selecionados para que não se separe do corpo de sua mãe, chora desesperadamente pra não ficar a mercê de um predador, ou morrer de frio, ou de fome. A mãe sente que deve pegá-lo, não quer se separar dele nem, ou principalmente, enquanto dorme. Mas alguém já a preveniu que fazer isso é errado, e inclusive já nomearam a quê estará sujeito seu filho caso ela insista nessa insanidade: "estrago infantil cronico", um mal que assola todas as crianças que são ninadas e colocadas para dormir na cama dos pais. Agora se coloque no lugar de alguém que acabou de nascer, mal enxerga, sente necessidade de contato físico constante pra estar seguro e é deixado num berço em um quarto sozinho, porque, afinal, não podemos acostumar mal o menino. Que sentimento isso traz pro bebê?


Se você me pedisse um conselho, somente um, eu diria sem medo de errar: não deixe seu filho sozinho. Nem pra dormir. Carregue-o junto ao corpo por todo o tempo que sentir que deve. E só você sabe o quanto deve. Se permita quebrar as regras, leve seu filho pra sua cama quando sentir necessidade. Isso não vai acabar com a sua vida conjugal, eu posso jurar que sexo pode ser feito em outros locais da casa e não somente antes de dormir. Se permita sentir e não pensar. Mais pele, menos cérebro.




Tales dormiu em nossa cama ate os 2 anos, mais ou menos. Não sei se coincidentemente, mas foi exatamente durante todo o tempo em que durou a amamentação. Durante os cinco primeiros meses de sua vida, eu insisti em levá-lo para o berço que ficava em outro quarto sempre que terminava de amamentar. Foram as piores noites da minha vida, e tenho certeza que da dele também. Quando nos permitimos deixá-lo dormir a noite toda em nossa cama uma realidade paralela se abriu diante dos meus olhos: era possivel amamentar sem nem ao menos acordar. Com o passar do tempo ele foi desenvolvendo a maturidade neurológica que era necessária para dormir a noite toda e começou a se sentir seguro para pedir pra dormir em seu quarto.

quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Eu não quero ajuda!


“ah, meu marido é ótimo, me ajuda muito com o bebê e com a casa!”

Se você ainda usa essa frase para definir seu companheiro, por favor, reveja seus conceitos.
Partindo do princípio que ele é o pai do seu filho e que mora na mesma casa que você, que suja roupas, louças, come, bebe e dorme, eu preciso te dizer que ele não faz mais que a obrigação.

Tente assim:

“ele é um ótimo marido e um ótimo pai, dividimos as tarefas domésticas e os cuidados com o bebê”

Bem melhor, né?

Acredito que cada casa tenha uma dinâmica diferente, cada pessoa tem aptidões diferentes e que, dentro do possível, devem ser respeitadas. Se eu cozinho bem, eu preparo o jantar. Se eu não gosto de acordar cedo, deixo as crianças por tua conta nas manhãs de domingo. Tudo é um combinado. Mas precisa haver um combinado. Se não for explícito, é natural que a mulher tome as rédeas e abrace todas as tarefas. E não porque ela é uma burra e gosta de se sacrificar, mas porque fomos ensinadas assim. Ninguém precisa falar que é a nossa obrigação, corre nas nossas veias uma educação patriarcal, na qual para o homem basta existir para ser digno de ser servido. Se a gente não pára pra pensar, continua reproduzindo um sistema de forma automática. Um sistema que nos poda, que nos diminui, que nos escraviza.

A mulher precisa relembrar dia após dia que o papel do homem é muito mais do que fornecer espermatozóides para fecundar um óvulo. É obrigação dele, igualmente como é sua, a criação desse filho. E deixar isso claro facilita muito as coisas.

Aqui em casa já tivemos altos e baixos. Hoje podemos dizer que vivemos em harmonia. O Julio é perfeitamente capaz de fazer todas as tarefas de casa, isso já foi necessário enquanto eu hibernava no começo da minha segunda gestação e sobrevivemos muito bem. Quanto aos cuidados com o Tales, nunca precisei relembrá-lo da sua função de pai. Sempre trocou fralda, deu banho, levou e buscou na escola, enfim, foi o pai que se esperava que fosse. Nunca me ajudou, sempre fez o que deveria ser feito e sempre teve a consciência de que era o seu papel e não um favor que ele fazia pra mim.


Muita gente ainda se espanta quando descobre que lá em casa quem cuida das roupas é o Julio. Isso é tão natural pra gente que acredito que o Tales vai se espantar quando ele perceber que em algumas famílias não funciona dessa forma. 

E por quê não?

Em um fim de tarde estávamos passeando no shopping. Aquela cena clássica, os três de mãos dadas, Julio, Tales e eu, nesta ordem. Tales estava animado com o passeio e, por isso, começou a dar saltinhos ao invés de andar. Subitamente eu falei:

- Pare, Tales! Ande direito.

O Julio perguntou:

- Ué, por quê?

Pois é, por quê?

Por que sim? Por que eu mando? Por que ele é criança e tem que me obedecer? Por que ele precisa de limites? Por quê? Por quê? Por quê?

Não existia um motivo.

- Desculpa, Talinhos... pode andar do jeito que você achar mais divertido, continue pulando se quiser.

Qual é o motivo que nos leva a dar ordens aos filhos sem a menor necessidade? Depois desse dia fiquei observando as minhas atitudes e é incrível o número de vezes que eu dizia “não” sem motivo. Ou que eu o mandava fazer ou parar de fazer alguma coisa sem que precisasse.

Às vezes parece que o não dito pelos pais tem um poder salvador imediato, é livre de qualquer erro e sempre é com a desculpa de se estar educando. Ai, porque “dizer não é um ato de amor”. Ok, reconheço a importância do não no momento certo, mas a gente consegue enxergar quando é o momento certo vivendo assim no piloto automático? Ou uma ordem dada pelos pais é isenta de qualquer juízo de valor, quando dizemos não,  é não e pronto, nem precisamos de motivos?

É muito tirano pensar dessa forma. Quero um filho que pensa sobre os seus atos, que toma decisões. Que respeita regras, claro, mas que pensa sobre elas, não as obedece cegamente. Mesmo que elas venham de mim. Sou humana, me permito errar.

Quero que o “não” tenha um sentido diferente na educação dos meus filhos, que ele seja respeitado quando for legítimo, e por isso eu comecei a evitar usá-lo desnecessariamente. Lá em casa agora o “não” só é usado acompanhado de um motivo que o justifique. Não quero criar robôs, quero crianças que aprendam na tentativa e erro.

A vida já é feita de tantos “nãos” reais. Eu escolho não inventar outros.

terça-feira, 24 de setembro de 2013

AmaMentAção

Eu devo muito à amamentação. Ao mesmo tempo em que eu nutria meu filho, eu nutria a minha alma. Da minha história de gestação, parto, puerpério, criação de filho, inegavelmente a amamentação foi o momento que mais me aproximou da minha natureza de mamífera, de fêmea, de mulher. Foi o momento em que eu só dependia de mim e de mais ninguém. Eu não tinha conhecimento, agia por instinto. Eu não pensava, eu sentia. E considero que foi por isso que deu tão certo.

Claro que eu não teria ido tão longe sem apoio. Apoio daquele que, sempre que eu sentava para amamentar, vinha com a minha garrafa d’água, com um paninho de boca, com uma almofada, ou só com um sorriso que fosse. Daquele que sempre demonstrou seu desejo de participar de forma mais ativa, mas entendia e respeitava aquele que era um momento mãe-filho. Daquele que me incentivava a abrir a blusa e sacar o peito para alimentar nosso bebê em qualquer lugar que estivéssemos, sem precisar me esconder. Daquele que me apoiou a continuar amamentando mesmo grávida. Aquele que se fez ainda mais presente quando chegou o momento de entrar em cena e me ajudar com o desmame.

Quem vê uma mãe que amamenta, não imagina quanta insensatez chega até ela. Quanta cobrança, quanto comentário, quanto julgamento, quantos olhares. Assim como quem vê uma mãe que não conseguiu amamentar, não imagina o que ela passa. Parece um contra censo, mas as duas sofrem muita pressão. O que querem de nós, afinal?

Querem que a gente amamente, mas querem que estejamos sempre lindas e dispostas, mesmo que o bebê mame a noite inteira sem trégua durante meses a fio.

Querem que a gente amamente exclusivamente no peito por 6 meses, mas nos dão licença maternidade de 4 meses. (não foi o meu caso, ok, mas é o da maioria)

Querem que a gente amamente, mas não cansam de dizer que “esse menino tá muito apegado a você, mas também, mama o tempo todo”

Quererem que a gente amamente, mas que dê também a mamadeira, pro pai poder se sentir incluído e o bebê não ficar tão apegado. Mas não te dizem que a mamadeira faz o bebê largar o peito.

Tenho muito orgulho da minha história de amamentação. É muito gratificante ver que meus seios cumpriram a sua função mais primitiva, a de nutrir meu filho. De saber que o vínculo que nós temos em função dessa troca vai perdurar por muito tempo, quiçá nunca se desfaça. De saber que eu estive disponível durante todo o tempo que meu filho precisou, que por um bom tempo já não era mais para matar a fome, era só um aconchego, uma troca de energia, e que eu respeitei essa necessidade dele. Que talvez o desmame não tenha sido totalmente natural, já que foi orientado por mim, mas que foi respeitoso. Saber que não fui contra meus instintos, não ouvi os conselhos que recebi para desmamá-lo abruptamente, usando técnicas cruéis. De me sentir digna por saber que, mesmo não agradando a todos, fiz o meu melhor. Dei pro meu filho o que eu tinha de melhor dentro de mim. Foram 2 anos, 1 mês e 6 dias de amor líquido.

O parto, ou o não parto

Tales nasceu de uma cesárea não desejada. Não desejei essa cirurgia, mas não movi um músculo para evitá-la. Sim, optei por não me informar, optei por não querer saber, optei por deixar pra ver na hora, optei por deixar o médico decidir. Talvez por isso eu não me permita sentir culpa alguma, foi uma opção. Por medo, eu escolhi não pensar.

Durante a gestação, o medo do parto me dava calafrios. Eu me imaginava deitada em uma cama, pernas penduradas, um médico empurrando minha barriga e outro puxando meu bebê. É o que a gente vê nas novelas, é o que a maioria das mulheres que eu conhecia relatava, é como aprendemos a acreditar que é. Hoje sei que poderia ter conhecido formas bem mais humanas de se parir, mas o medo que eu sentia não me deixava analisar alternativas. Foi uma opção.

Conscientemente eu sabia que o parto normal era a forma mais correta de se nascer, afinal eu havia estudado biologia na escola. Mas eu tinha medo. Eu não tinha inteligência emocional alguma pra lidar com aquele sentimento, eu preferia ignorá-lo. Quando me perguntavam se eu ia ter um parto normal eu respondia “vou tentar” com o sorriso mais amarelo do mundo.

Nunca fui daquelas que já nasceram com o sonho de parir. Nunca havia pensado nisso antes de engravidar. Confesso que até pouco tempo atrás eu considerava o parto como algo irrelevante, nada mais do que um meio para se chegar a um fim. Continuo achando q não é esse momento que te faz mais ou “menas” mãe. O buraco por onde o bebê vai sair, pra algumas pessoas, é mesmo irrelevante. Não é exatamente essa a questão. A questão é muito mais ampla e aqui muita gente vai discordar de mim, o que eu compreendo perfeitamente, pois eu já estive do lado de lá e sei o que se passa na cabeça de quem considera que o importante é somente o bebê nascer bem. A questão é o protagonismo do momento, a consciência de que temos a capacidade de parir, a noção de que nosso corpo é perfeito e que faz tudo sozinho, se dermos a oportunidade. É saber que somos capazes, que somos feitas pra isso. Que a dor está muito mais ligada ao seu lado emocional do que propriamente ao seu corpo físico. Que as sombras que você carrega são capazes de te atrapalhar muito mais do que você imagina. Que o parto está intimamente ligado ao ato sexual, que é o ápice da maturidade sexual da mulher.  Que a sua relação consigo mesma, com seu corpo, com seu eu interior, com a sua feminilidade, com os seus ciclos, podem ir a favor ou contra você. E aí inclua também a sua relação com a sua mãe, que certamente foi a primeira mulher com quem você teve contato e que te influenciou positiva ou negativamente com relação ao seu corpo.

Além disso, estamos inseridas em uma sociedade doente que nos prepara dia após dia para aceitar que somos defeituosas, que nosso corpo não funciona perfeitamente, que não estamos preparadas para parir. Desde sempre a mulher deu a luz sozinha, em casa, com o apoio de outras mulheres da família. Precisavam nos fazer desacreditar deste poder natural e, como defeituosas que somos, precisaríamos deles, os homens (médicos), para dar a luz. Não demorou muito para que nos esquecêssemos da nossa força. Começamos a usar hormônios sintéticos, as pílulas anticoncepcionais, que têm uma importância histórica inegável, mas que nos fazem perder uma das propriedades mais notáveis da mulher: ser cíclica. Podemos não menstruar, e isso é incentivado, afinal menstruar é sujo, atrapalha a rotina, não traz benefício algum. Para uma sociedade capitalista, uma mulher não é importante se não for produtiva. E como ser produtiva sendo instável? Necessitando de certo “recolhimento” uma vez por mês? Muito melhor são aquelas que perderam essa característica tão peculiar das fêmeas, aquelas que se assemelham cada vez mais aos homens. Incomodam menos, produzem mais. Então, interrompemos a menstruação, adiamos a gestação e permitimos que eles se tornassem os protagonistas no nascimento dos nossos filhos, já totalmente convencidas da nossa falta de capacidade. Pronto, nos desconectamos totalmente da nossa essência feminina.

Durante um tempo, ter passado por uma cesárea me fez pensar que meu corpo não funcionou como deveria ter funcionado. Ele falhou. Aí vinha a pergunta: O que eu tenho de errado? Como eu disse, parir nunca foi um sonho de infância, eu achava que a cesárea não seria algo que efetivamente tiraria meu sono, mas a pulga estava sempre ali, bem atrás da orelha. Talvez se eu simplesmente culpasse o médico, fosse mais cômodo pra mim. Mas isso não me parecia honesto, de certa forma eu dei a permissão para que ele decidisse por mim, sem questionar. Ok, era pra ser uma relação de confiança mútua entre paciente e médico, hoje tenho consciência de que um dos lados não honrou essa confiança, e não foi o meu. Mas só achar culpados não responderia as minhas perguntas. Eu precisava olhar pra dentro e me encontrar.

Hoje eu sei que quem falhou não foi o meu corpo, mas a minha mente. Eu não sabia, mas eu era o perfeito produto do meio em que eu vivia. Eu não me conhecia, não conhecia meus ciclos, não entendia a beleza que envolve todo o universo feminino. Achava que menstruação era um sangramento chato e sujo que servia pra me mostrar que eu não estava grávida. Só. Que a TPM que me deixava péssima todo mês era só falta de autocontrole. Que se eu não pensasse sobre algo que me dava medo, talvez o medo sumisse. Que se eu confiava no meu médico, eu deveria deixar para ele decidir o que era melhor para mim e para o meu bebê. Eu me sabotei. Eu era mais uma mulher ignorando o seu lado feminino selvagem para se adaptar ao que a sociedade moderna exige, e o resultado não poderia ser diferente.

Depois de muita reflexão, me tornei amiga do medo que me fez bloquear toda chance que teria de me informar e sair da matrix. Um medo do desconhecido, medo da dor, medo da violência. Hoje sei de onde veio esse medo e, bem lá no fundo, encaro a minha cesariana como uma oportunidade de me encontrar com ele. De me encontrar comigo. Talvez se eu tivesse tido um parto normal eu sequer parasse para pensar nesse medo, pois muito provavelmente eu achasse que o havia superado. E talvez eu continuasse sendo aquela mulher infantilizada, que não pensava sobre sua feminilidade, não conhecia o poder do seu corpo, não conhecia a beleza e a perfeição de ser mulher. Ou talvez eu só esteja querendo aceitar o que não dá pra mudar, afinal, a negação não deixa de ser um mecanismo de defesa.

Foi muito doloroso descobrir que minha cesárea não foi necessária, que meu bebê não estava em sofrimento, que eu fui enganada. Ouvir de outro obstetra a frase: “roubaram teu parto, Vanessa” foi, sem dúvida, o episódio mais cruel da minha breve caminhada como mãe. Saber que meu bebê poderia não ter respirado, poderia ter tido seqüelas por ter nascido com 37 semanas, e que eu fui co-responsável por isso me dói na alma. Eu não me culpo, eu me arrependo.

Eu tento a cada dia usar minha experiência de uma cesárea não desejada para compreender muita coisa relacionada à minha essência feminina. É evidente que não foi somente esse acontecimento que me fez olhar para dentro, foi a maternidade como um todo. Mas é como se essa fosse a última peça do quebra cabeça que faltava para que eu conseguisse ver a imagem completa.

terça-feira, 17 de setembro de 2013

Do começo de tudo

Quando eu me tornei mãe, alguma coisa no meu cérebro mudou. Na gravidez demorei a me acostumar com as mudanças no meu corpo, me sentia enorme, desajeitada, mas exibia o barrigão com o maior orgulho do mundo. Tinha medo do parto, medo de amamentar, medo, medo, medo. E quando o bebê chegou, todos aqueles medos foram transformados em insegurança na prática. Eu não sabia ouvir minha intuição ainda, nem sabia que tinha esse nome aquele sentimento que eu insistia em contrariar. Tive saudade da barriga, de ser o centro das atenções, de ganhar comida de presente, de ser elogiada diariamente. As primeiras semanas... ah, as primeiras semanas... O bebê, aquele serzinho encantador pelo qual eu daria a vida desde o primeiro ultrassom, não saia do circuito acorda-chora-mama-dorme-acorda-chora-mama-dorme, e eu exausta e culpada por ter vontade de chorar junto com ele. A tristeza profunda e a alegria extasiante se misturavam de um jeito que eu tinha certeza que estava ficando louca. A ocitocina saindo pelos poros tornava a vida muito mais colorida, mas logo vinha a vontade de chorar até acabar as lágrimas. Alguém em algum momento me disse que pra ser mãe a gente tem que deixar morrer uma parte de nós pra deixar nascer outra. E que temos o direito de chorar essa perda, chorar de saudade da pessoa que fomos, saudade das noites inteiras que dormíamos, saudade de ser dona do nosso tempo, saudade da sensação de liberdade. Mas a pessoa que está nascendo agora é muito mais forte, mais madura, mais inteira. Logo a saudade daquela que se foi vai embora e o que fica são só pequenas lembranças de um tempo que você não quer mais que volte, por melhor que tenha sido. Eu agora sou outra pessoa, uma pessoa que não se encaixa mais naquela vida. 
E é sobre essa nova vida que vou escrever aqui. Sobre minhas experiências como mãe, minhas opiniões, minhas expectativas e meus resultados.